A Felicidade

1  A Felicidade - Alessandro Müller

 

Quanto à importância do assunto em questão, é importante se perguntar: o que entendemos por felicidade? Há quem diga que a felicidade é a satisfação dos anseios pessoais; mas não seria bem isso. De acordo com um filosofo da Antiguidade chamado Aristóteles, a felicidade estaria ligada a nossa obrigação enquanto cidadãos, ou seja, a felicidade não se limita a uma satisfação particular, mas traz consigo uma serie de obrigações morais. Sendo assim, cada pessoa deve ter consciência das suas obrigações enquanto cidadão. O autor entende que tudo o que realizamos deve estar voltado para o bem e a felicidade humana. Aqui é importante discutir o que seria uma ação moralmente boa; uma ação é boa quando o seu produto final visa um bem e esse bem corresponda com a intenção da ação.



 

1. 2 A felicidade ou fim da vida Humana

 

            Aristóteles parte do princípio de que o fim que todos visam é a felicidade, pois segundo ele, a felicidade é uma atividade da alma que deve estar de acordo com os princípios da razão. A significação da palavra felicidade pode ser compreendida como um estado de sentimento, o que difere do prazer, porque Aristóteles entende que a felicidade é uma espécie de atividade, e não qualquer tipo de prazer, apesar de este a acompanhar naturalmente. Sendo assim, a felicidade pode ser traduzida por “bem-estar”.

            Mas, afirmar que o bem para o homem é a felicidade parece algo muito superficial, o que não deixa de ser reconhecido pelo próprio Aristóteles. Se Aristóteles está tentando descobrir a natureza da felicidade, é importante descobrir que tipo de vida se entende por felicidade. Diante disso, o autor em questão nos fala que o homem possui a tendência de escolher um dentre os quatro tipos fundamentais de vida. De acordo com Aristóteles, “a maior parte dos homens visa o prazer. Mas este constitui um fim para os escravos ou para as bestas” (ARISTÓTELES, 1992, 1096, p.20). Os melhores visam à honra. E esta é o objeto da ciência política. Mas a honra depende mais de quem a dá do que daquele que a recebe, enquanto o fim para o qual tende a nossa vida deve ser constituído por algo que nos seja próprio. A honra parece ser procurada como forma de nos assegurarmos da nossa própria virtude, e a virtude é, talvez, mais verdadeiramente o fim da vida política. Contudo, a virtude é compatível com a inatividade e com a miséria, e, em ambas, não pode ser considerada como constituindo o verdadeiro fim, ou seja, a pessoa pode possuí-la e não conseguir por em prática temendo que algo de ruim lhe aconteça. Alguns homens procuram também a riqueza, mas esta constitui um meio e não um fim. “Para Aristóteles, a felicidade enquanto fim mais elevado (bem) se constitui mediante a vida contemplativa” [1].

            Platão propôs algo que não está muito claro, nesse sentido, pois diante desses bens que nos parecem ser óbvios – uma Forma de Bem constituiria o princípio de toda a bondade, independente de onde ela se encontrasse. Diferente de Platão, Aristóteles propõe que o termo bem não possui um significado comum que seja válido para todas as coisas. Mas não é totalmente contra a afirmação de Platão. Aristóteles fala que todos os bens tendem a um bem único, porém, que não há nenhuma forma de bem independente das suas manifestações particulares. Este é o ponto de divergência entre Platão e Aristóteles quanto ao bem. Porque Aristóteles entende que se existisse uma forma de bem independente das suas manifestações, esta não seria válida para fins práticos[2].

            O bem deve apresentar-se sobre duas características. Deve ser final, quer dizer, ser escolhido por si próprio e não como um meio para atingir outra coisa; também deve ser auto-suficiente, ou seja, algo que por si próprio torne a vida digna de ser escolhida. 

 

Quando falamos em auto-suficiente não queremos aludir àquilo que é suficiente apenas para um homem isolado, para alguém que leva uma vida solitária, mas também para seus pais, filhos, esposa e, em geral para todos os seus amigos e concidadãos [...] auto-suficiente pode ser definido como aquilo que em si torne a vida desejável por não ser carente de coisa alguma, e isto em nossa opinião é a felicidade [...]. Logo, a felicidade é algo final e auto-suficiente, e é o fim a que visam às ações (ARISTÓTELES, 1992, 1097, p. 23-24).    

 

Estas duas características pertencem ao bem-estar. Mas é necessário dizer em que consiste o significado de felicidade. Aristóteles realiza a presente investigação visando descobrir qual é o tipo de vida que pode dar maior satisfação ao homem, no entanto, para responder a esta questão julga necessário investigar qual a função característica do homem. Por exemplo, a função de um tocador de gaita consiste em tocar gaita. A mesma coisa pode ser dita a respeito do corpo humano – o olho, a mão; cada parte possui a sua função e podemos dizer quais são. Ainda assim, não é fácil dizer a função que é específica do homem, àquilo que somente ele pode realizar. O crescimento e a reprodução são compartilhados com os animais e com as plantas, a sensação com os animais. Nenhuma destas pode constituir a obra que é própria do homem. Segundo Aristóteles, “resta, então, a atividade vital do elemento racional do homem; uma parte desta é dotada de razão no sentido de ser obediente a ela, e a outra no sentido de possuir a razão de pensar” (Ibid, p. 24).   

Contudo, existe no homem uma capacidade que é mais elevada, a qual esta sobreposta a estas que lhe precede capacidade esta que se entende como algo que contém um “plano ou regra” (capacidade de pensar). No interior desta, existe uma capacidade mais elevada que compreende o plano (capacidade de raciocinar) e outra que lhe obedece (executa as ações práticas).

 

A função própria do homem é um certo modo de vida, e este é constituído de uma atividade ou de ações da alma que pressupõem o uso da razão,e a função própria de um homem bom é o bom e o nobilitante exercício desta atividade ou a prática destas ações [...] o bem para o homem vem a ser o exercício ativo das faculdades da alma de conformidade com a excelência, se há mais de uma excelência, de conformidade com a melhor e mais completa entre elas (Ibid, p.24 -25).   

 

O bem-estar, para o homem deve corresponder ao uso adequado da razão em um certo modo de viver. Em segundo lugar, deve ser uma atividade, não uma simples potencialidade. Em terceiro, deve estar de acordo com a virtude, ou, se existir mais de uma virtude, estar de acordo com a melhor e mais perfeita dentre elas. E, em quarto lugar, deve se manifestar durante toda a vida. 

Todavia, o bem-estar deve ser acompanhado por uma ação que tende a uma virtude. Ele deve estar acompanhado de certa dose de prazer e prosperidade[3]. Sabe-se que o bem-estar é uma atividade que corresponde a uma virtude, mas a seguinte preocupação de Aristóteles é quanto à natureza da virtude, para responder a essa indagação que lhe é própria, ocupa-se até o fim do livro VI. 

 

 

 

 

 



[1] ARISTÓTELES, 1992, 1095 b -1096 a, p. 20. 

[2] P. 21, 1096 a; p. 22, 1097a.

[3] Para Aristóteles, bem-estar e felicidade é a mesma coisa.